Leça da Palmeira Antropológica - III

A foz do rio Leça era um local de intenso movimento e actividade, pois para além de uma velha fortaleza quadrada datada do tempo de D. Afonso VI e que há muito desapareceu, a ela se referindo António Nobre nos seus poemas como a Real House, pela cor com que estava pintada. Nela esteve instalado o Hotel Estefânia.
Também os mercadores de peixe e almocreves aí faziam poiso, comprando e apartando a sardinha que depois era levada em cestos para terras longínquas.
Os lavradores carregavam o mexoalho e o pilado para adubar as terras agrícolas, para o que faziam aí deslocarem-se os carros de bois adaptados para tal.
E, neste estuário veio a desenvolver-se o Porto de Leixões que desempenha funções económicas da maior importância, não sendo concebido inicialmente como porto de comércio, mas apenas de abrigo, contudo a necessidade de um porto comercial junto à foz do rio Douro já se vinha impondo desde há muito.














A partir do século XVII, são numerosas as alusões a essa necessidade, e várias as tentativas de solução para o problema. É assim que na sequência do terrível naufrágio do vapor “Porto”, a 29 de Maio de 1852, o qual em maré de temporal desfeito, buscava abrigo na barra do Douro, não o conseguindo e, perante a angústia de familiares e milhares de pessoas, a curta distância da terra, desfez-se contra os rochedos, a opinião pública agitou-se e as dúvidas e indecisões, influências e interesses acabam e D. Maria II nomeia uma comissão de engenheiros destinada a apresentar o plano de um porto artificial em Leixões.
No reinado de D. Luís I foram estudados novos projectos, sendo finalmente aprovado o do eng.º Nogueira Soares, vindo a ser construído em 1895.
O Porto de Leixões regista grande movimento e nele vêm ancorar barcos das mais variadas tonelagens vindos de muitos e diferentes países do globo, tomando corpo a ideia de adaptar o porto de abrigo a porto comercial, o que veio a ser decidido em 1932.
Contudo, a discussão deste assento vinha já do tempo em que decorriam as obras de construção da 1.ª fase do porto, e é aí que surge a ideia de aproveitar o vale do rio Leça, destruindo todo o centro cívico belo e aprazível de Leça da Palmeira.

Estava assim escolhido um local a curta distância (quatro quilómetros da foz do rio Douro), em frente às povoações de Matosinhos e Leça da Palmeira, onde os molhes do porto se podiam apoiar sobre um arco descontínuo de rochedos, os mais extensos dos quais estão hoje debaixo do molhe norte e se denominam por leixões.
Estes factos são no nosso entender uma apropriação do espaço, pois se para criar um novo lugar que não temos na nossa cidade, apropriamo-nos de outro, na terra vizinha, destruindo o existente com tudo o que tinha de bucólico, convertendo-o num novo lugar.
Aqui afluía imensa gente, principalmente homens que constituíam a mão de obra necessária à construção, mas também afluíam outros que oriundos do Minho, de Trás-os-Montes e do Douro vinham embarcar para o Brasil, tentando a fortuna, o que representava uma odisseia do outro lado do Atlântico.
Utilizando o ramal da Linha da Póvoa que vinha a Leixões, durante dias as carruagens de diferentes classes despejavam centenas de aldeãos. Homens de pele tisnada e secos, com ar desconfiado e infeliz, e chapéu sobre os olhos. Mulheres miseráveis com uma expressão de pasmo que mais angustiada tornava a sua miséria. Moços robustos, mas sem alegria, e criancinhas pálidas e tão tímidas como se compreendessem alguma coisa do que as rodeava. Assim, neste ambiente despediam-se de amigos acenando os lenços desejando boa viagem.


Eng.º Rocha dos Santos
in "A Voz de Leça" Ano LV - Número 8 - Novembro de 2008